Sexta-feira, 11 de Novembro de 2005

O Gás é Natural


Findava o Verão e apertava a crise quando veio à conversa a conta do gás. Queixava-me da injustiça que sentia por pagar uma estimativa fixa que não me favorecia já que passava os meses estivais quase sempre fora de casa e sem cozinhar. Do amigo Fante, bom profissional da arte de poupar dinheiro veio o conselho rápido e eficaz: fazer um telefonema a actualizar informações relativas aos contadores domiciliários, quase de certeza que me devolviam dinheiro.
Passaram uns dias de azáfama e lá me lembrei de ligar para o dito número verde. Mal me atenderam fui informado que fora em 2002 a data da última leitura do contador. Confirmei que desde que instalaram gás e luz que paguei sempre por estimativa. Pediu-me então os números que constavam no fundo negro do contador da luz, junto à entrada, e do seu homólogo do gás, na cozinha.
Findou-se Setembro, passou Outubro e no passado dia 8 de Novembro, dia final de pagamentos, dá-me para abrir os últimos envelopes com contas, aqueles que no banco se descontam e não dão trabalho nenhum excepto suar o dinheiro para ser levantado da rota conta à ordem. Quando vi o envelope do gás e electricidade fiquei orgulhoso de mim. pensei; que bom que tinha sido ter dado notícias dos meus contadores ao seus proprietários e servidores de energias vitais para uma casa ser um lar. Que bom seria pagar menos já que gasto tão pouco e tenho pago em excesso. Rasguei o envelope, tirei as folhas, desdobrei as páginas e li:

EDP - 111,87 €
GDP - 4095.46 €

Acabei por me rir. Acredito que gastei mais electricidade que antes mas algo batia mal na conta do gás. Seriam as virgulas? Reli as facturas, todos os detalhes incluindo o dia de pagamento que era o próprio dia em que me encontrava e pensei como a harmonia se deslumbra no horizonte feliz que é a minha vida. Abri dossiers arquivo de 2004 e 2005, recuperei declarações e recibos desde 2002 e preparei-me para o combate telefónico. Não posso deixar de mencionar a música de espera do número comercial da Lisboa Gás. Se ouvirem a letra (o que a espera constante e consequente repetição do tema obriga), verão que a Rosa Lobato Faria estava inspirada naquele dia que rimou "coisa e tal" com "gás natural". Quando Ruben Baptista me atendeu não imaginava o que o esperava. Expliquei-lhe o meu caso extensivamente. A contagem por telefone, os anos a pagar em excesso, a casa individual onde apenas há um esquentador que funciona 10 a 15 minutos por dia e um fogão que volta e meia acolhe teias de aranhas, e para finalizar reforcei a questão do débito a efectuar no dia em que nos encontrávamos. Pediu-me para confirmar o número que constava no contador. Abri a porta de resguardo e comuniquei-lhe os números no fundo preto. Confirmou que eram próximos dos que tinha no processo e eu que tinha de pagar o valor da factura. Tentei sensibiliza-lo para o facto de gostar de judeus e não ter câmaras de gás em casa nem nenhum tipo de forno de pão industrial. Provavelmente teria sido um erro de quem leu a contagem no início do meu processo mas ele manteve-se firme que eu tinha consumido 800 contos de gás. Só me restava convocar técnicos da empresa em causa para virem observar a minha fábrica de isqueiros e estudar o porquê de tanto consumo gasoso. Despedi-me pedindo para me recordar o seu nome de forma a não arriscar voltar a ter de me confrontar com um Homo do Vale de Neander por telefone.
Respirei fundo e juntei toda a papelada para receber o técnico ao princípio da tarde do dia seguinte. Pensei que não seria complicado provar a minha inocência e não deixei que uma dívida de 800 mocas azedassem todo o chocolate e toda a ginja que consumi nessa noite.
Acordei preparado para a recepção do representante da empresa que me queria levar à falência. As folhas estavam alinhadas e preparadas para documentar toda a minha defesa quando a campainha tocou. Abri a porta, ouvi os passos e cumprimentei o funcionário. Expliquei-lhe a questão que o trazia mal vi na sua mão as ferramentas de fechar o gás. Deixou-as à porta pedindo-me para lhe mostrar o contador. Conduzi-o à cozinha explicando pormenores deste processo que o movia e abri o armário que esconde o contador. Recuei e esperei que confirmasse ele mesmo os números rolantes com o fundo negro, os a vermelho não contam, com o nervoso normal de quem se quer livrar de um problema. Ele esperou uns momentos, olhou para mim e disse: "Este não é o contador do gás, é o da água."
Dilui-me nesse momento e até agora não recuperei da minha auto-estima em estado gasoso.
publicado por Manuel Padilha às 15:53
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