Dentro da temática do laboratório, venho hoje falar-vos sobre análises clínicas, essa coisa que de vez em quando o médico de família nos manda fazer. Parece simplesmente um assunto desagradável, mas é bem mais que isso.
Começa pelo jejum, talvez a parte que menos me chateia apesar de detestar sair de casa sem comer. Acordo sempre com uma fome daquelas capazes de comer um boi inteiro e custa ter de me arrastar até ao laboratório, que felizmente fica já ali ao fim da rua. Tenho também que admitir que só com o pequeno almoço diluo uma grande parte do mau humor matinal. O que acontece nos dias de análises é que tenho de me esforçar para não insultar o vizinho que passa por mim na rua ou o tipo da tabacaria que teima em me cumprimentar. Faço um esforço e só respondo em monossílabos o que não facilita a comunicação mas permite-me comprar tabaco no dia seguinte. Depois começo por estranhar como a recepcionista percebe o que a minha médica de família escreveu. Não era suposto só médicos de farmacêuticos perceberem aquela escrita cuneiforme? Tento acalmar-me e espreito o programa da manhã da TVI que quase me faz explodir de raiva. Ora, estas coisas não podem fazer bem ao sangue de um tipo!
Após a espera mandam-me entrar. Começa o filme de terror. Digamos que se eu fosse Peter Jackson no início dos anos 90, teria feito um filme sobre análises clinicas. Cem minutos de tipas de bata branca a fazer pontaria às veias do braço. Aliás, todo o imaginário dos vampiros nasceu num laboratório destes. Há mais alguém que passe o dia a roubar sangue das veias das pessoas e ganhe a vida com isso? Aliás, defendo que o primeiro laboratório deste género foi na Transilvânia e pertencia ao famoso Dr. Drácula. Vou confessar que só existe uma maneira de me controlar e não sair dali a correr sempre que a bata branca começa a preparar a agulha, a seringa, o garrote e os outros objectos de tortura legais. Olho para o tecto e penso em sexo. É a única altura que tenho de me esforçar para pensar em sexo e não me excito minimamente, o meu cérebro não se deixa enganar a esse ponto, sabe que a qualquer momento irá sentir a picada e depois o mosquito gigante começa a sorver o meu conteúdo. Quando a agulha sai do meu braço não consigo evitar olhar para os litros de sangue que me roubaram e percebo também nessa altura porque nos pedem para ir jejum, evita-se assim que o paciente vomite em cima da bata branca do vampiro.
Mas ainda não acabou. Aliás a parte mais ridícula aparece depois do sangue sair, quando me perguntam se trouxe urina. Como queriam eles que eu a trouxesse? Numa garrafa? Ia pela rua com uma garrafa de mijo sorrindo às pessoas e dizendo “Foi a primeira da manhã! Não tem uma bela cor? Com tanta espuma até parece cerveja!”. A coisa torna-se hilariante quando me dão dois tubos onde não cabe o meu mindinho e pedem que “faça” lá para dentro. Há várias coisas aqui que não batem certo. Primeiro não sou daqueles tipos que funcionam sob pressão, depois mal acordo corro para a casa de banho e demoro meia-hora a mijar tudo que a minha bexiga produziu nas hora de sono, e para acabar não percebo como querem que consiga acertar no tubo, se às vezes a sanita é estreita imaginem o tubinho. Enfim, é uma porcaria. Primeiro tenho de me concentrar para inventar vontade, depois controlar a fome e depois de conseguir acertar no tubo tenho de parar a tempo a pressão e passar para o outro tubo igualmente minúsculo. Ora a coisa não pode correr bem e demora sempre mais do que eu queria. Acaba comigo a lavar as mãos ainda amareladas da urina, passar os tubos por água e enojado passa-los à bata branca que me entrega um talão com a data para ir levantar as análises.
Engraçado é que saio sempre do laboratório muito mais bem disposto. Parece que enfrentei um monstro enorme e sai de lá com vida. Normalmente comemoro a vitória na pastelaria mais próxima.