Uma das coisas que trouxe do Irão em Dezembro passado foi a certeza de que aqueles persas acham - acham mesmo, os sacanas - que inventaram tudo. Vá, quase tudo. Nos discursos oficiais a que assisti durante os primeiros cinco dias da minha viagem, e foram uma data deles, ouvi dezenas de vezes as expressões "berço de civilização", "fonte de cultura", "origem do saber", "contributo fundamental para a filosofia ocidental" e cenas destas por aí fora.
Mas, peço imenso desculpa, meus caros amigos arianinhos de gema, houve uma coisa que vocês demoraram a lá chegar. A verdade é que 40 anos - quarenta - antes de vocês se lembrarem do Mir Moussavi nós já tiveramos o Humberto Delgado. Um bocado lentinhos, os meninos, só talvez... Parece que a figura do tipo que vem do interior do regime, alimentando interiormente uma tendência reformista mas ocultando-a o suficiente para ser aceite como candidato a umas eleições pretensamente democráticas onde ninguém que apresente uma razoável probabilidade de causar mossa ao statu quo é admitido na corrida e depois, ao longo da campanha, vai-se revelando mais e mais reformista e menos e menos alinhado ao ponto de causar calafrios na espinha do género ai-se-o-cabrão-ganha-esta-merda-estamos-todos-fodidos aos homens das botas ou dos turbantes que se vêm obrigados a recorrer a medidas de emergência e de última hora como, por mero exemplo, gigantescas fraudes eleitorais para salvar os escrotos e os tachos, fomos nós, portugueses, nascidos e criados aqui no bairro, que inventámos, não? Ah, pois é. Tomai lá que já haveis almoçado!
O Zaratustra, o Xerxes, o Mani, o Omar Khayyam, o Hafez, o Nader Shah, todos juntos, à porrada, não chegavam para o nosso Humberto. E, mesmo assim, este terminou os seus dias com um tiro nos cornos ali para os lados de Badajoz.
Bom, isto para dizer que estou pessimista em relação ao desenrolar dos acontecimentos.
Há dias recebi um email de lá. Não dizia muito. Era mais o que não dizia. Ou deixava intuir: "lines are controlled, may the mail i am writing to you! who knows?!"
mas estou vai não vai para escrever uma posta sobre a situação política no Irão.
E não é que as minhas análises sanguíneas parecem concordar?
Alguma alma caridosa e sabedora dos insondáveis mistérios do corpo humano me pode ajudar a decifrar o significado de tão arcana cifra? Ou terei que recorrer a métodos mais convencionais do tipo ir ao médico ou assim?
Do que tenho visto até agora, esta gente só pensa em comida. Se não for um cachorro vendido na rua, será uma rosquilha, um muffin, uma fatia de pizza, ou então salsichas num pratinho. As centenas de esplanadas estão cheias de gente a comer. Há várias ruas que fecham em dias específicos, para se encherem de um lado e de outro de barracas com comida, onde há talhos ou verduras à venda, mas sobretudo salsichas, rosquilhas, pizza, cogumelos e vinhos. Não sei o que se passa com Frankfurt, não sei se a tradição monástica é fraquinha aqui, mas continuo com sérias dificuldades em encontrar um sítio com vontade genuína de vender cerveja. Ao invés disso há provas de vinho na rua a cada esquina e lá estão as pessoas muito satisfeitas a falar de finança, picar uma salsicha e a beber um branco gelado. Conheci um irlandês de propósito para lhe perguntar o que é que havia de errado com esta cidade, e ele queixou-se do mesmo, e admitindo que eu não queria ir a um pub irlandês, sugeriu-me uma ou duas casas que ainda fazem gala na cerveja. A ver vamos. Descobri ainda uma coisa notável. Há um restaurante da Maggi no centro da cidade. A Maggi, que eu julgava desaparecida após o embate com a Knorr em Portugal, terra pequena demais para os dois gigantes da sopa em simultâneo, abriu um restaurante que consiste no seguinte: a pessoa senta-se, escolhe uma sopinha de um menu, e eles à nossa vista abrem a embalagem e seguem as instruções. Ainda não experimentei fazer isto, mas se estiverem abertos até tarde, não sei se resisto a uma sopa de rabo de boi.
Não me lembrava, nem estava nada à espera, deste ano já ser ano de Campeonato do Mundo de Atletismo, talvez a minha actividade de Agosto preferida. Foi em tempos um motor fundamental deste blogue, mas agora já sei que vou perder todas as provas, como perdi, por exemplo, toda a carreira do Federer, ainda que já esteja a tratar de alternativas que possam fazer-me ter a Eurosport em casa. É quase certo que, pelo menos, os próximos Jogos Olímpicos eu não perco.
Por acaso o Campeonato vai ser em Berlim (não sabia de nada) e também por algum acaso estou em Frankfurt neste momento. Continuo a saber nada sobre a cidade - onde fica, por exemplo; não faço a mais pequena ideia - embora suspeite que seja no meio a fugir para o Sul. Esta proximidade (com Berlim, eventualmente) reconforta-me, como me reconfortou saber que o Mundial de 1998 foi em França e o de 2006 na Alemanha. É um bom aconchego porque vou alimentando planos de ver estas coisas ao vivo, e como a minha vida se resume a planos, convém que tenham alguma qualidade. Havia, por exemplo, a possibilidade de assistir aos Faith No More, que estão cá no dia 22, mas depois soube que os bilhetes que sobravam para ver o concerto estavam nos 140 euros. A boa notícia é que afinal no dia 22 já não vou estar cá, portanto podia ter nunca visto os preços e queixar-me agora apenas do azar.
De modo que achei melhor moderar os planos quanto a Frankfurt embora mantendo-os com elevados níveis de qualidade, e decidi que esta tarde apenas iria beber cerveja em terraços de edifícios altos e só Weiss. Cumpri este projecto com brilhantismo, mas ao jantar ia deitando tudo a perder. Entrei num Biergarten, que pertencia a um Bierpalast prontinho para mandar abaixo um pernil no forno e ir pedindo a rodar as weiss da casa. Desta forma estragava só metade do plano, e ainda por cima a parte que lhe dava um toque de estupidez. Calhou que escolhi um bar (o único no mundo, imagino) que não servia cerveja. Não servia cerveja! Havia vinho branco e um vinho de maçã (o senhor assegurou-me que não estava a falar de cidra) e outras coisas, inclusivamente outros vinhos. Também me explicou (o senhor) que o nome da casa tinha Biergarten à frente porque era do que se tratava e que não havia nenhuma necessidade de um Biergarten vender cerveja. Era num jardim, tinha aquelas mesas compridas onde se sentam pessoas que não se conhecem e era na Alemanha. Entendo que estão a ver montes de argumentações para desmontar o senhor, mas isto pareceu-me inatacável, pelo menos com os meios que eu tinha. Ainda reuni forças para perguntar porque diabo não servem cerveja, no que descobri que aquilo era uma taberna tradicional e que houve tempos em que não se vendia cerveja nas tabernas. Assumi que a casa está lá desde os hunos, sensivelmente.
Amanhã deixo a weiss de lado um bocadinho e troco, mas ainda não tomei decisões. As pessoas bebem pouca cerveja aqui, mas são muito simpáticas comigo.
Isto de já não ser assim tão novo traz a vantagem do passado que se acumula. A minha banda preferida desde os meus 16 anos lançou um novo disco. Ou seja, há 15 que tenho o prazer da espera. Eles vão no 16º álbum de estúdio , fora edições paranormais e o raio que os parta, e já me desapontaram umas quantas vezes, os sacanas. Entre 1994 e 2006 fizeram discos jeitosos. Mas fecharam-se na garagem experimental e produziram ruído em todas as direcções, nem sempre as certas. Salvou-os sempre a mestria das actuações ao vivo, quando eles nos mostram que são capazes de reproduzir ao mais ínfimo pormenor as merdas estrambólicas que inventam sozinhos lá em casa.
Houve sempre pérolas para nos consolar - O Skip Tracer (pena que não haja videos decentes disto) do Washing Machine é, por exemplo, uma das melhores canções alguma vez feitas neste planeta - mas nunca mais se pôde dizer "que album do caralho" com propriedade e ireefutável segurança. Em 2006 (porra, pensava que tinha sido há menos tempo) produziram Rather Ripped e eu voltei a entusiasmar-me. "Disco do caralhinho", digo eu agora, porque o verdadeiro disco do caralho, ando a devorá-lo há pouco mais de uma semana. Chama-se "The Eternal" e tem a a melhor canção de sempre dos rapazes e muy fogosa rapariga, tão lindos que eles andam aos 50 anos. Que ainda por cima lembraram-se, ao fim de 30 anos, que afinal até sabem cantar todos juntos. O Jools é que a sabe toda...
When Philip demanded their submission, saying that if he came to Sparta he would wreck their farms, kill the people and destroy their city, the Spartans replied: "If". He and his son left the Spartans alone - perhaps not least for the sake of the legend of Termopylae.
(...)
The maximum effectiveness of military force is achieved only by the more subtle methods associated with what one might call a feminine approach. Without making any crass connection to his bisexuality (which has its own very particular cultural context), or any wider points about the virtue or otherwise of his personality, Alexander's conduct of warfare exemplifies this well.
Depois de ler tudo o que escreveu sobre ressacas, como o bocadinho do post abaixo, tirado de Lucky Jim - obra que me fez gritar num quiz que o autor de Lord Jim era o Kingsley Amis - não vale a pena escrever muito, mas podemos actualizar um ou dois dos postulados.
Nem é que eu tenha ressacas muito incapacitantes, pelo menos a julgar por descrições de uma ou outra pessoa, mas é uma situação que incomoda e limita o dia. Aceitando também que eu não faço ideia do que se passa cientificamente para provocar esta dor de cabeça, volta ao estômago, cansaço geral, concentrei-me na única cura de ressaca que realmente funciona. Saber que passa. Uma ressaca passa sempre e se esta vos parece uma verdade sem importancia por tão óbvia, então é porque nunca acordaram com uma na vida. Ter isto presente é uma ajuda inestimável. Claro que importa muito a situação em que uma pessoa acorda. Pode-se ter que ir trabalhar e este é um dos raros casos da vida de um cidadão em que pode ter pena de si próprio, porque ninguém mais vai ter. "Bem-feita" é a combinaçãozinha nojenta de palavras que mais irá ouvir, como se o facto de ter sido provocada torne a dor de cabeça menos legítima. Quase ninguém aponta um dedo a quem espirra e pinga do nariz por não ter levado um agasalho na noite anterior (quase; se for eu, é certinho que levo com um muito satisfeito 'toma, que é para não teres a mania que és estúpido'). Se for trabalhar e não puder tirar a manhã procure não fazer nada o mais que conseguir, reze (reze mesmo, a deus ou a quem puder) para não fazer asneira, ou para aquela asneira que fez ontem não vir à tona hoje e conte os minutos para a hora de saída e pelo momentinho em que cai no sofá e perde finalmente os sentidos.
Há outro tipo de dias, em que quando acordar sabe que nessa mesma noite vai voltar a beber. Isto pode ser um sábado ou uma semana de férias e esta ressaca é quase inofensiva, é um intervalo. Não vale a pena queixar-se muito desta. A do dia seguinte vai ser pior. A ressaca do domingo, esta sim, reúne todo a sabedoria de Amis.
Vamos aceitar já que se divide em duas, que é a base de todo o seu pensamento sobre ressacas: a física e a metafísica. Da física não há muito a dizer a não ser evitar tudo o que potencie o mal-estar que já cá está. Refeições com molho, música alta, pessoas. E lembrar-se que passa. A metafísica é tudo o resto e, não só mas quase toda, resumida aqui:
When that ineffable compound of depression, sadness (these two are not the same), anxiety, self-hatred, sense of failure and fear for the future begins to steal over you, start telling yourself that what you have is a hangover. You are not sickening for anything, you have not suffered a minor brain lesion, you are not all that bad at your job, your family and friends are not leagued in a conspiracy of barely maintained silence about what a shit you are, you have not come at last to see life as it really is, and there is no use crying over spilt milk.
Não há cura para a ressaca, sobretudo não há como vencer a parte física da ressaca, mas há formas de diminuir esta sensação de ser um merdas que emparelha tão bem ressacas e domingos. É verdade que são tudo coisas inúteis e que no final do dia se podem virar contra si. Ninguém vai começar a escrever o Guerra e Paz num dia de ressaca, nem assentar o primeiro tijolo da casa de praia, portanto convém começar por tirar de cabeça que os dias devem ser ocupados de forma proveitosa, como se não fazer nada fosse algum crime. Comer, assim que conseguir, é essencial. Se puder ser um bife grelhado, melhor; uma pizza e coca-cola (a coca-cola é a poção mágica que se conhece, mas não convém exagerar - uma chega.) é uma receita famosa e eu também aprovo; salada russa, se houver cuidado com a maionese; gelado, fruta; enfim, tudo o que toda a gente sabe.
O Kingsley Amis lê ressacado. A mim isto parece-me um disparate, mas eram outros anos, talvez se possa aplicar aqui alguma correcção temporal. Para mim só existe a televisão. Filmes inócuos e séries espirituosas. O importante que sejam absolutamente inconsequentes. Uma vez experimentei ver uns quatro ou cinco episódios de West Wing e quase foi demais para a minha pobre alma ver tanta produtividade, vontade de fazer o Bem, e essas coisas que apareciam muito no West Wing. Twilight Zone, Scrubs, 30 Rock, uma telenovela, Flight of the Conchordes. Tudo ligeirinho, e com episódios de 20 minutos. Descobi que um bocadinho de Playstation não faz mal nenhum e pode compensar ligeiramente o ego se ganhar o campeonato do mundo com uma pequena equipa.
Se puder não ouço música, mas se tiver que ser atiro-me a tudo o que seja parecido com o Sunny Afternoon dos Kinks, que - experimentem - sabe a canja de galinha se for ouvida num dia de ressaca. Fugir do jazz, como o Amis não se cansa de repetir, é essencial , sob pena de acordar com a mesma dor de cabeça no dia seguinte. Rock também não é melhor, depende muito do baterista, mas ainda assim é certo que uma banda tem sempre um guitarrista e não se põe uma guitarra nos ouvidos de ninguém numa situação destas.
Muito rapidamente será de noite, a ressaca física já quase não existe e a metafísica pode estar no seu pico, mas aqui já não há nada a fazer, a não ser saber que está quase.
* Não referi propositadamente aquela ideia comum de que beber novamente faz passar a ressaca só por dois motivos. Primeiro porque realmente funciona e toda a gente conhece o truque. Segundo porque no mínimo qualquer pessoa com um cartão de crédito entende o problema gravíssimo que está associado a esta solução.
He [Jim] stood brooding by his bed…The light did him harm, but not as much as looking at things did; he resolved, having done it once, never to move his eyeballs again. A dusty thudding in his head made the scene before him beat like a pulse. His mouth had been used as a latrine by some small creature of the night, and then as its mausoleum. During the night, too, he’d somehow been on a cross-country run and then been expertly beaten up by secret police. He felt bad.
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