Sexta-feira, 30 de Dezembro de 2005
Pois não acabo o ano sem mandar um último peido neste adorado blog.
Lá se vai 2005, ano de tantos desastres, mais que muitos para enumerar, cheio de emoções, entusiasmos, esperanças, fracassos, crises, inflações, discussões e marasmos. Mais um ano se foi e mais um aparece pela frente. A comédia tem sempre tendência a se superar e o optimismo dissolve-se no riso. Que por cá continuemos todos o melhor possível é o que desejo. Haja pachorra e a história continuará.
Terça-feira, 27 de Dezembro de 2005
Aproveitando o balanço de fim de ano que se costuma efectuar por esta altura, tenho andado a ver alguns filmes recentes que fazem parte do
Top 250 do IMDb. Devo dizer que, até agora, nem o facto de estarem ainda mais ou menos frescos na mente das pessoas que os viram se faz compreender como é que tanta gente acha piada a esses filmes. É bem verdade que tenho alguma predilecção por cinema mais antigo, mas porra! Será que as pessoas só viram uns 10 filmes na vida, sendo metade deles do Steven Seagal? Vamos a isso, então:
Hotel Rwanda - #49 - Muito bem, o Schindler's List está em 6º e eu já não o vejo há tempo suficiente para reclamar que também este está sobrevalorizado, mas isto não é suficiente para perceber por que razão este
remake está tão bem cotado. A história é praticamente idêntica, mas substituindo-se os alemães pelos Hutus e os judeus pelos Tutsis. O Schindler deste filme é, obviamente, um Hutu, e sinceramente o seu desempenho é a única coisa que mantém este filme um nadinha à tona de água. De resto, todos os lugares-comuns estão lá, desde o herói relutante ao princípio até aos vilões que são piores do que... nazis? Junte-se uma história mais pobrezinha (tal como a região, aliás) a querer ser mais épica do que é e um bocado de culpabilização colectiva do mundo ocidental e está pronto a servir.
The Incredibles - #73 - O filme (já não são desenhos) de animação mais espectacular (incrível, até) de sempre, e mais não sei quê... uma mega-campanha publicitária a demonstrar como a Pixar desmontou e renovou os lugares-comuns... bonecada por todo o lado, e afinal temos aqui um filme básico. Três actos, um prólogo e um epílogo, e como é da praxe, começa em grande para depois se espatifar ao comprido na parte final. O prólogo é realmente muito bom (e a única ocasião em que os lugares-comuns são efectivamente apontados e gozados), o 1º acto ainda tem bastante força, mas começa a falhar no 2º quando a super-família se reúne no combate ao mal e no 3º acto vai tudo literalmente com os porcos, consistindo simplesmente num mega-combate cheio de ultra-explosões digitais. Ainda por cima, os tais lugares-comuns regressam em força, mas desta vez involuntariamente (ou não...). O mundo está a salvo pelo menos até ao epílogo, que deixa, obviamente, em aberto a possibilidade de uma sequela.
Crítica final conjunta: Não sendo a pior merda do mundo, também não dão tusa nenhuma. Aconselhados para aquelas tardes chuvosas como boa alternativa a coçar os tomates. Com o bónus de que estas actividades não são mutuamente exclusivas
Altura tão boa como qualquer outra para o
spam que enche as nossas caixas de correio electrónicas... recebi uma pequena pérola acerca do simbolismo do Natal que inclui umas explicações no mínimo forçadas:
REIS MAGOS: Negro, Branco, Amarelo e Vermelho, as etapas espirituais do Homem, dado que os magos estudavam secretamente e praticavam perseverantemente virtudes
(afinal eram quatro? Já agora metiam também um rei mago verde e faziam o símbolo dos Jogos Olímpicos)
ÁRVORE DE NATAL: pela sua forma triangular alude ao Pai, Filho e Espírito Santo ( trindade metaforizada nas diversas culturas)
(vá lá que não existem palmeiras de Natal, senão era mais difícil esticar este conceito)
BOLAS DA ÁRVORES: centros energéticos (chacras) que desenvolvidos geram faculdades da consciência humana
(então bolas que são centros energéticos que servem para gerar agora chamam-se chacras?)
PINHAS: frutos do trabalho interno de auto-observação
(e o pinhão é o fruto do trabalho interno da pinha)
VELAS: luz interior, devoção
(não sei onde é que estes sujeitos andam a enfiar as velas para lhes alumiar o interior)
SINOS: necessidade de despertar a consciência (som)
(geralmente despertam é o sono)
PRESENTES: valores, virtudes, faculdades internas (gift significa presente e faculdade em inglês)
(ah... e race que quer dizer "raça" ou "corrida"? E esta, hã?)
ESTRELA: Pai (Solar) que conecta connosco, o Deus interior que há em nós
(Então é por causa disso que estou tão gordo... não admira, com um Deus dentro de mim! Tenho que começar a cobrar-lhe renda.)
Quarta-feira, 21 de Dezembro de 2005
Há uns dias, enquanto lia pela enésima vez sobre os encontros, desencontros, desacatos, manifestos, tertúlias, tropelias e cabarets que preenchiam as vidas agitadas dos precursores do Surrealismo, Dada e afins, deparei-me com o personagem de Arthur Cravan (1881-1920), Poeta e Pugilista.
O antagonismo entre os dois epítetos prendeu-me a atenção. Logo me lembrei que, em Portugal, temos figuras públicas mais actuais e tanto ou mais incríveis nos seus dotes: Nuno Morais Sarmento, Ministro, Heroinómano e Pugilista. E sinceramente não sei quem colhe o maior mérito: se o francês que debita odes e sonetos de amor depois de partir o nariz ao seu oponente, se o português que se senta no Conselho de Ministros com um moca de cavalo tão grande que nem sente o nariz partido com que saiu do ringue...
Vos, quid juris?
Terça-feira, 20 de Dezembro de 2005
«Os trabalhadores trocam a possibilidade de mais horas extraordinárias pela certeza de mais desemprego». A frase é do ministro Manuel Pinho sobre o impasse nas negociações da Auto Europa. Ainda bem que este Governo aposta na "qualificação" e que critica o velho modelo português da mão de obra barata. Porque, se não, poderíamos interpretar as palavras do ministro da Economia como uma sugestão aos trabalhadores da maior empresa estrangeira em Portugal para aceitarem trabalhar em condições mais precárias para garantir o seu empregozinho.
A AutoEuropa, lembro-me eu que não percebo nada de economia, chegou a congelar os salários durante três anos para garantir a "viabilidade da empresa". E fê-lo com o consentimento dos trabalhadores, cujos dirigentes sindicais têm sido apontados ao longo dos anos como exemplos raros de disponibilidade para dialogar com o patrão sem partir logo para a greve, como é, demasiadas vezes, costume. A mesma piedosa AutoEuropa ainda há poucos meses entrou em concorrência com uma fábrica alemã do mesmo grupo para a atribuição de um novo modelo, argumentando como arma de arremesso a excelente produtividade da fábrica de Palmela. Agora, os trabalhadores são os maus da fita, só porque não aceitam, mais uma vez, perder regalias. E o Governo, o tal que se diz "pela inovação e qualificação", não tem dúvidas: Ponham-se mansos, ingratos trabalhadores, e encham lá os cofres desses nobres alemães aceitando trabalhar mais horas com os salários encolhidinhos. O País vai por bons caminhos.
Domingo, 18 de Dezembro de 2005
O Manel diz que tem "uma visão estratégica". O Aníbal apregoa a sua "visão humanista". O Mário zurze a torto e a direito mas o homem precisa da paz da reforma, já o pensa a Barroso há muito. O Vieira não tem assinatuaras. E agora, um gajo põe a cruz onde? Estas presidenciais estão programadas para levar o Boliqueime a Belém e o cidadão indefeso vê-se fodido. Vamos ter uma esfinge convencida de que manda nos próximos cinco anos. O povo come bacalhau e vota no professor. Não haverá um peru revoltoso que provoque uma indegestão? Que país este...
Sexta-feira, 9 de Dezembro de 2005
No domingo passado fiz coisas muito estranhas. Sensações completamente novas que nunca havia experienciado.
Passavam poucos minutos das cinco da tarde. O Sol já descia sobre a linha do horizonte. Um homem que estava atrás de mim e que eu tinha acabado de conhecer disse-me ao ouvido: “podes-te sentar agora”. O que eu obedientemente fiz, sentando-me ao colo dele sem nada dizer. Depois, deixei que ele me amarrasse tão apertadamente contra ele, à volta das coxas e sobre os ombros, que já mal conseguíamos respirar os dois. Eu sentia cada elevação do seu tórax nas minhas costas…
Felizmente, não demorou muito mais tempo até o piloto nos dar a sua autorização para fazermos o que estávamos ali para fazer. Ali, a 14.000 pés de altitude. Ali, 4.000 metros acima de Évora. A porta abriu-se de repente. Um vento muito frio começou a entrar na cabine e dela logo começaram a sair outros homens em grupos de dois e de três.
Chegada a nossa vez, troquei um último olhar com a minha mulher. O seu olhar sempre bonito transmitiu-me mais serenidade, julgo, do que o meu a ela. E de seguida vi-a cair no vazio agarrada ao seu homem sem nada poder fazer. Depois lá fui eu, amarrado por trás ao meu. Em queda livre. Em direcção à camada fofa de nuvens que não deixava ver ainda a dura crosta terrestre.
É verdade. Fiz tudo isto. Até paguei para o fazer (ainda que com um desconto). E gostei. Adorei. Para ser sincero, CURTI COM’Ó CARALHO!!!!!! E agora quero fazer outra vez.
A queda durou um minuto. Um minuto de puro voo. Um minuto de pura adrenalina. Um minuto de pura liberdade. Sem amarras. Sem restrições. Sem pensar em nada… A não o ser no totó do cameraflyer à minha frente a pedir-me para imitar as suas gesticulações estúpidas para a câmara. Como se estar ali com um gajo desconhecido colado ao nosso rabo não fosse panasquice suficiente…
Atravessamos as nuvens. Os óculos embaciam-se. Abre-se o pára-quedas e passam-nos os comandos da calote para as mãos como se percebêssemos alguma coisa daquilo. Vemos grupos de aves a voar em formação à nossa frente, o mundo lá em baixo (literalmente aos nossos pés, como numa má montagem de cinema), e pensamos “a vida é bela e a aterragem vamos lá ver!?!?...” Mas foi mesmo. De pé. Com estilo. Lindo!
Terça-feira, 6 de Dezembro de 2005
De visita à terra natal, telefono a um velho camarada para o copo da praxe. O tipo esquiva-se com uma desculpa parva: "Estou internado no hospital". E depois conta-me a história de como lá foi parar.
Tudo começou há quatro anos. O meu amigo começou a reparar que lhe inchava uma perna de vez em quando. Não ligou grande importância ao assunto, até porque os médicos a que foi entretanto (por outras mazelas diversas) nunca acharam que a coisa fosse mais do que "alguma lesão muscular". Pois, há três semanas, o Marco resolveu acrescentar um outro condimento à já costumeira perna inchada. Desta vez, lembrou-se de acompanhar a dilatação das carnes com umas cuspidelas de sangue. Assim ganhou uma boa desculpa para entrar pelas urgências a dentro, com ar de aflito.
Os médicos, como é seu costume, demoraram a fazer um diagnóstico. Infecção pulmonar era a causa mais provável. Pelo sim, pelo não, encomendaram-lhe uma bateria de testes. Nada de especial a declarar. Pediram-lhe então que fizesse um TAC de Contraste. Depois de uma noite passada no hospital (por precaução e facilidade na recolha de amostras para análise, disseram-lhe), o Marco fez o tal TAC e foi mostrá-lo aos médicos. Depois de olharem para o exame e para ele repetidamente perguntaram-lhe:
- O senhor sente-se bem?
- Sinto, porquê, não devia?
- Onde é que vai agora?
- Ia ali à casa de banho.
Ainda autorizaram essa última liberdade urinária. Depois deitaram-no numa cama com instruções para se mexer pouco e escassas explicações acerca da sua enfermidade. Como devem imaginar, o Marco, que é um rapaz sensível, passou a noite azucrinado com todo o tipo de doenças mortais que, calculava ele, o estariam a minar por dentro. A explicação chegou de manhã.
Parece que o Marco vive desde há quatro anos com as veias e artérias cheias de coágulos. Se alguma destas partículas de sangue solidificado lhe chega ao coração ou ao cérebro ele morre. Ao longo de todo este tempo, teve dentro do corpo várias bombas relógio que podiamn rebentar a qualquer momento. Após três semanas no hospital, o Marco está livre de perigo. A maioria dos coágulos já desapareceram. O que não passa tão cedo é o susto. E a indesculpável fífia de falhar um copo comigo num dos já raros dias em que apareço na terra.
Resumindo, e acrescentando a frase bacoca que dá o remate moral à prosa, esta coisa provisória a que chamamos vida é tão frágil como um fósforo ao vento.